Editorial POR DENTRO DO RN

O escândalo do “fura-fila” na saúde pública de Natal não pode mais ser tratado como um erro técnico, um desvio pontual ou mera desorganização istrativa. O que está em curso é uma distorção inaceitável do serviço público, uma afronta à justiça social e uma demonstração de negligência por parte da atual gestão municipal, agora sob o comando do prefeito Paulinho Freire, que recebeu alertas formais da Controladoria-Geral da União (CGU) e, mesmo assim, nada fez.
A prática de furar filas no sistema de regulação — mecanismo que deveria garantir a isonomia no o a consultas, exames e procedimentos especializados — representa não apenas um desrespeito com os usuários do SUS, mas um favorecimento claro a determinados grupos. Trata-se de um esquema que, além de injusto, acentua o colapso de uma saúde pública já marcada por escassez de recursos, demora nos atendimentos e sobrecarga dos profissionais.
Relatórios da CGU revelaram que a Prefeitura do Natal foi formalmente informada, desde outubro de 2024, sobre as falhas graves no sistema de regulação municipal e orientada a adotar o Regula RN — uma plataforma auditável, com rastreabilidade e transparência. A recomendação não era uma sugestão aleatória, mas uma medida concreta para coibir as distorções. A prefeitura optou pela omissão.
Não há espaço para justificativas. A permanência de um sistema falho, que permite a manipulação na ordem dos atendimentos, não pode ser vista de outra forma senão como cumplicidade com o problema. A gestão municipal, ao não agir, assume a responsabilidade direta pelas consequências dessa estrutura corrompida.
Enquanto isso, mais de 3.600 pessoas permanecem à espera de consultas especializadas, muitas delas em condições de saúde agravadas pela demora. O cenário é agravado por denúncias de assédio no setor de regulação e relatos de pacientes que, por meio de influência política ou favorecimento interno, conseguem agendamentos em poucos dias.
Trata-se de um sistema que pune os mais pobres, os sem o a vereadores, lideranças comunitárias ou servidores estratégicos. É a normalização da injustiça, escorada em uma máquina pública que deveria, por princípio, servir com equidade.
A prefeitura de Natal tinha — e ainda tem — a obrigação de romper com esse modelo. A adoção de outro modelo é uma medida viável, testada e recomendada por órgãos de controle. A resistência em implementá-la se configura como uma escolha política, não técnica. É a decisão de manter o sistema como está, mesmo sabendo que isso prejudica diretamente milhares de cidadãos.
A responsabilidade não recai apenas sobre os técnicos do setor de regulação ou sobre os servidores apontados nas denúncias. A conivência da alta cúpula da prefeitura é evidente. Ao não enfrentar o problema, a gestão Paulinho Freire se torna parte dele. E essa conivência cobra um preço alto: o agravamento do caos na saúde pública municipal, a descrença na justiça institucional e o sofrimento prolongado de quem depende do SUS para sobreviver.
O “fura-fila” não é apenas um desvio. É uma política pública não declarada, mas mantida pela inação. Romper com essa estrutura exige coragem política, compromisso com a justiça e respeito ao princípio da universalidade do SUS. Qualquer coisa diferente disso é pactuar com a desigualdade.
Foto: Arquivo/POR DENTRO DO RN/Ilustração
Siga o Por Dentro do RN também no Instagram e mantenha-se informado.